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Quarentena social; como manter a esperança?

Há um mês em quarentena social; como fazer para manter a esperança?
Isolada desde o dia 16 de março, quando sua faculdade suspendeu as aulas por conta da pandemia do novo coronavírus, Letícia Macedo, de 22 anos já não vê a hora em que poderá fazer uma boa caminhada ao ar livre e reencontrar os amigos. Na próxima quinta-feira (16), ela completa um mês de isolamento social.

Ao mesmo tempo em que usufrui da liberdade de poder ficar em casa e manter-se à salvo do risco de contaminação da covid-19, Letícia sente-se cada vez mais presa dentro de seu próprio lar. "A minha experiência não têm sido das melhores. Tudo desregulou. Sono, fome, horários de estudo. Minha faculdade tem enviado um volume intenso de atividades então passo a maior parte do tempo estudando. Tenho vontade de sair, reencontrar meus amigos, fazer um passeio, mas não posso".

Por morar com familiares que estão inseridos no grupo de risco da doença, Letícia segue à risca as medidas de prevenção. Pensando nos entes queridos e em si, seu único contato com o mundo exterior têm sido através dos noticiários, da internet e de sua janela repleta de grades. "Aqui na minha casa as janelas tem grade, e isso aumenta a sensação de prisão", completou. A jovem é estudante do quinto período de Farmácia e reside do município de Caruaru, no Agreste de Pernambuco, onde sete casos do coronavírus foram confirmados até então.

Assim como Letícia, a realidade do isolamento social têm sido vivenciada por um terço da população mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a quarentena é necessária para conter a proliferação do vírus e impedir que os sistemas de saúde dos países entrem em colapso. No Brasil, o número de pessoas contaminadas pela covid-19 supera os 28 mil, só em Pernambuco, são 1.484 casos da doença e 124 óbitos de acordo com o Boletim divulgado pela Secretaria de Saúde do Estado nesta quarta-feira (15). 

Para o psicanalista Miguel Gomes, agora, após 30 dias de isolamento social, é comum que sentimentos de tristeza e melancolia surjam. 

"Se no começo tivemos um pouco a sensação de férias forçadas dentro de casa em que a gente se anima vendo série, assistindo lives e conversando com os amigos por video-conferência e telefone, com o passar do tempo isso vai cansando e vai batendo uma certa sensação de tristeza", o profissional acredita também que com os casos confirmados sendo cada vez mais frequentes, a gravidade da situação vai sendo melhor compreendida pelas pessoas. "Neste momento a gente começa a ver casos confirmados de pessoas que não são idosas, que não tem doença prévia e aí as pessoas vão se dando conta da gravidade. Desta forma, pessoas mais suscetíveis podem desenvolver agora um quadro mais depressivo, melancólico, e isso é algo precisamos ficar atentos porque é natural depois de um longo período de confinamento".

A fisioterapeuta Maria Estefani, de 23 anos, residente da cidade de Paudalho, na Região da Mata, e está em isolamento há um mês. A jovem contou que durante um certo período do confinamento os dias foram bem conturbados. Enquanto mais as notícias de confirmação de casos iam chegando, mais a sensação de impotência e medo predominava. "Eu consumia todo tipo de informação na tv, redes sociais e em artigos o dia inteiro. O que acabou gerando crises de ansiedade. Sempre que chegava próximo ao horário que a secretária de saúde daqui [de Paudalho] lança os novos dados de casos confirmados minha garganta começava a fechar, faltava ar e o coração acelerava absurdamente". 

Estefani então, optou por limitar o consumo de notícias durante o dia. "Me limitei a consumir notícias por volta de 2h por dia. Esse é o máximo que consigo chegar sem me desesperar", a fisioterapeuta passou a preencher o restante do tempo conversando com amigos através de aplicativos de mensagens e video-chamadas, além de ler e assistir séries e filmes. Estefani revelou também estar utilizando o período de isolamento para aprender novas habilidades e realizar cursos online. 

De acordo com o psicólogo Miguel Gomes, para que o isolamento se torne algo mais fácil, é necessário atribuir à ele um propósito. "Como a coisa está mais grave agora, fica mais fácil também da gente entender 'puxa vida, eu preciso fazer o isolamento porque a situação é grave, é séria, se eu não fizer mais gente pode vir a morrer, o sistema de saúde pode vir a colapsar' então o encontro de um sentido para o que nós estamos fazendo nos fortalece". 

Caso você não tenha encontrado esse propósito, Miguel conta que essa busca pode ser feita no amor que sente às pessoas próximas a você, "podemos pensar 'eu vou ficar isolado porque se eu sair eu posso estar trazendo o virus pra casa que vai contaminar fulaninho que vai levar pra minha avó, que vai levar pro meu pai, que vai levar pro meu tio idoso', então automaticamente o isolamento se torna uma forma de amor, cuidado e proteção".

Miguel ainda listou quatro pontos importantes que podem ajudar a minimizar os efeitos do isolamento.

1- Encontrar uma rotina:

Não precisa ser algo rígido e milimetrado. Basta ser algo capaz de gerar certo ordenamento no seu dia. "Quando você tem um ordenamento temporal isso lhe ancora no mundo, você fica com o tempo organizado. Você pode criar uma rotina de, por exemplo, cuidar da casa pela manhã, a tarde trabalhar ou estudar e a noite se exercitar, ler, relaxar, conversar com os amigos". Segundo o psicólogo, criar esse roteiro é uma boa forma de burlar a disperção que a falta de organização temporal traz.

2- Procurar coisas que lhe dão prazer.

Nesse momento de dificuldade, é normal que os dias sejam mais difíceis de enfrentar, por isso é necessário se dedicar a desenvolver atividades que proporcionem prazer e bem-estar. 

3- Não se isolar do contato afetivo

Apesar de estar em situação de isolamento físico, é importante buscar mecanismos de manter contato com as pessoas que você gosta. Conversar com amigos através de aplicativos de mensagens ou plataformas de video-conferência, enviar presentes ou planejar surpresas. "Se você tiver essa possibilidade, uma forma de enviar carinho é surpreender alguém que você gosta mandando algo de presente. Hoje muitas empresas e restaurantes estão fazendo o serviço de entrega à domicílio, e certamente aquela pessoa vai ficar muito feliz com isso. Você pode aproveitar a tecnologia como uma forma de aproximação afetiva, ainda que fisicamente vocês estejam distantes. Esses são pequenos gestos que podem ajudar a gente a superar esse momento difícil", completou o profissional. 

4- Ter consciência de que esse momento vai passar

Para o psicólogo, esse momento de pandemia se assemelha à uma guerra e cumprir as medidas de enfrentamento ao coronavírus é uma forma de lutar. "Precisamos entender que o isolamento é como se estivéssemos em uma guerra física, é um esforço de guerra. A gente não pode achar que o que estamos fazendo é exageiro e que está tudo normal, não está normal, a gente tem que enfrentar isso. Vamos ter prejuízos econômicos? Sim. Vai ser chato ficar em casa? Vai. Vamos nos afastar fisicamente das pessoas que gostamos? Vamos. Mas vai passar, uma hora vai passar e enquanto não passar precisamos fazer esse sacrifício. E esse sacrifício vai ser mais fácil de fazer quanto maior for o sentido que encontrarmos nisso".

Reportagem publicada em 15/04/2020, em meio à pandemia da Covid-19.
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